sábado, 7 de fevereiro de 2015

Boécio

Boécio, nascido em Roma (c. 480), foi um filósofo teólogo que se afamou após ansiar por, e traduzir para o latim algumas grandes obras filosóficas de Platão e Aristóteles, entre outros, com o intuito de difundir os valores da cultura grega por entre os latinos. Além disso, redigiu também sobre teologia, matemática e lógica, e teorizou a música da antiguidade greco-latina. Em 510, tornou-se importante membro político da Itália, entretanto, 11/12 anos mais tarde foi acusado de traição para com o rei, prática de magia e autoria de cartas subversivas, sendo condenado à tortura até morte. Durante seu legado, intitulou à música as seguintes divisões: música cósmica (imperceptível aos homens), música humana (união do movimento da alma ao do corpo) e música prática (resultante das vibrações dos instrumentos e entoação da voz); concluiu que a música é uma parte do indivíduo, capaz de engrandecer ou deteriorar sua conduta.

Canto Gregoriano

O canto gregoriano não é composto de maneira espontânea, ao sabor da inspiração genial do compositor. Cada peça, seja uma antífona, ou um responso, é constituída de fórmulas já prontas que, escolhidas em função do modo da peça, costuram-se umas nas outras por recitativos de ligação, com ornamentos no grave ou no agudo. Para apreciar a disposição bem estruturada da modalidade gregoriana, é preciso compreender o mecanismo da salmodia. Nos outros repertórios latinos anteriores ao canto gregoriano, a salmodia não é montada por conceitos previamente definidos: ela adere à estrutura da antífona para melhor enquadrar-se a ela, uma vez que uma antífona seja um quadro, um módulo no qual flui o recitativo salmódico.

No sistema diatônico da monodia gregoriana – as teclas brancas do piano – só há quatro maneiras de terminar um canto: em ré (ou lá, por transposição), em mi (ou si), em fá (ou dó), e em sol. As antífonas, destinadas aos fiéis, não são compostas num âmbito muito extenso; uma quinta, uma sexta, raramente mais que isso. Por outro lado, a alegria e o entusiasmo se exprimem melhor subindo em direção aos agudos, ao passo que a tristeza ou respeito se fazem assinalar de preferência baixando aos graves da escala. Para cada peça, portanto, será escolhida uma salmodia “mais no alto” ou outra “mais no baixo” – aquela que melhor convidar a seu ambitus (espaço compreendido entre a nota mais baixa e a mais alta) e a seu ethos (caráter, disposição de humor).



Notação

Os gregos criaram ao menos quatro sistemas derivados das letras do alfabeto; no século IV d.C havia cerca de 1600 sinais, símbolos e formas de letra, e um sistema de notação para música vocal e outro para instrumental. Boécio, por sua vez, designava as 15 notas contidas em duas oitavas com as 15 primeiras letras do alfabeto grego-latino:

  
O sistema de neumas (antigo) proporcionava apenas uma "lembrança" do contorno geral da melodia mas não podia indicar a altura exata nem a duração das notas.


No século IX, em alguns exemplos de música polifônica, particularmente do organum paralelo, as sílabas do texto passam a ser distribuídas numa pauta de seis linhas; na margem esquerda dela, nos espaços entre as linhas, tem-se um T para tonus, ou S parasemitonum, indicando relativamente as notas da melodia. Essa forma de notação é denominada Musica enchiriadis.


Um século mais tarde, a utilização de uma única linha (notada em cor vermelha) na horizontal indicando o Fá abaixo do Dó central (Fá2), servia de base para a altura das notas escritas sobre ela em forma de neumas. Posteriormente, uma linha de cor amarela foi acrescentada acima da linha vermelha, representando uma quinta mais aguda que ela, e então uma terceira linha apareceu entre elas para denotar a distância de terças. Guido d'Arezzo, no século XII, continuou a acrescentar linhas à pauta até então desenvolvida, formando o tetragrama utilizado ainda hoje na música litúrgica Católica Romana, e encontrado em manuscritos do século XIV, visto que o cantochão raramente excedia uma oitava. Apesar deste avanço, o desenvolvimento da notação de intervalos mensurados fora bastante lento.

Apesar da questão da representação da altura das notas estar relativamente resolvida, sua duração ainda não havia desencadeado uma forma escrita padrão e isto impossibilita uma perfeita interpretação da rítmica que acompanha os neumas. Fora no século XIII que algumas formas de neumas se tornaram símbolos de duração de tempo:

Virga (nota "longa")


Brevis (nota curta)
Semibreve (metade da duração da brevis)

No fim do século XIV, cinco símbolos rítmicos já eram existentes, e no XV foram criados valores ainda menores, a semiminima, a fusa e a semifusa. A evolução do formato das notas da musica mensurabilis (música medida) pode ser acompanhada na seguinte representação gráfica, em que cada nota sucessiva tem exatamente a metade do valor da nota precedente (ou cada nota precedente tem o triplo do valor da sucessiva - metro triplo/perfeito):


Sendo assim, no modo duplo as notas passaram ter a cabeça vazada, e no triplo, preenchidas, criando um padrão. Simultaneamente, desenvolveu-se um sistema de notação mensural para as pausas, inicialmente indicadas por barras curtas no topo das linhas em uso, e posteriormente por linhas verticais que ocupavam os espaços da pauta de acordo com a quantidade de tempos de silêncio, e mais tarde haveriam de ser eliminadas devido à semelhança com  as barras de compasso.

A origem do conceito de sílabas para a escala (ut, re, mi, fa, sol, la) está na descoberta de que as seis linhas sucessivas no hino Sáfico a São João Batista começam em seis graus de alturas diferentes ascendentes. Guido, então, nomeou os graus da escala com a primeira sílaba de cada linha do hino. Mais tarde, a sílaba si, o sétimo grau da escala, surgiu derivada das iniciais de Sancte Iohannes (São João), e o ut foi mudado para do, extraído de Domino (latim: Senhor).

Sistema Modal

Para a compreensão do sistema modal, é necessária uma breve digestão histórica. A concepção de escala foi formulada na Grécia Antiga, e as diferentes nomeadas segundo regiões distintas. Escritas primeiramente em ordem descendente, foram adotadas na Idade Média (séculos IV a VI d.C.) na forma ascendente, com a substituição do termo "escala" pelo termo "modo", e atribuição de uma nota natural como base de cada um deles.


Os modos autênticos, derivados das escalas gregas, e os plagais, equivalentes hipo das escalas, foram usados na música sacra e acabaram conhecidos como Modos Gregorianos ou Eclesiásticos, essencialmente diatônicos, que possibilitavam apenas abemolar o si, para evitar o passo melódico do trítono, conhecido como diabolus in musica, por soar de maneira sinistra. Os autênticos passaram a ser adotados por Santo Ambrósio para as melodias mais agudas, e os plagais, por São Gregório, para as graves.

No canto gregoriano surgem frequentemente, na recitação dos salmos, notas denominadas dominantes ou de repercussão. Essas notas, com as respectivas finais de cada modo, representam características modais e variam de um para outro. O sistema modal foi usado durante toda a Idade Média como fonte para as melodias. Entretanto, tornou-se insuficiente com o crescer da complexidade oriunda da polifonia; uma nova linguagem harmônica foi se desenvolvendo/surgindo por volta do século XVII, o sistema tonal, que envolvia o conceito de escalas maiores e menores diatônicas.

Tropos e Sequências 

As sequências do primeiro período, as de Sankt Gallen e de Saint-Martial de Limoges, adotavam o princípio de um paralelismo entre o texto literário e o texto musical, de acordo com o seguinte esquema: A BB CC DD CC... F, mas muitas outras eram compostas de maneira independente. Do ponto de vista de sua execução, não fora desconsiderada a ideia de que uma voz de organum duplicasse a melodia na oitava, na quarta ou na quinta. Nos Analecta hymnica, a palavra organum aparece 71 vezes a propósito dos 265 textos de sequências da coleção. Os tropos e as sequências desarrumam consideravelmente a ordem gregoriana, em nome da liberdade de invenção. Para além do embelezamento da liturgia, observa-se neles a fenda que, aumentando pouco a pouco, vai abalar inteiramente o edifício da liturgia romana.

Fontes:
AUTOR DESCONHECIDO. Breve História da Notação Musical.  Disponível em: <http://www.clem.ufba.br/bordini/not_mus/hist.htm>. Acesso em: 11 de dez. de 2011.
INTERNACIONAL, Enciclopédia Mirador. Boécio. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/biografias/boecio.jhtm>. Acesso em: 11 de dez. de 2011.
MARCONATTO, Arildo Luiz. Boécio (480 - 525). Disponível em: <http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=43>. Acesso em: 11 de dez. de 2011.
MASSIN, Jean & Brigitte. História da Música Ocidental. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

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