sábado, 7 de fevereiro de 2015

Ars Novae Parte II

 Ars Nova Como Inovação

         A Ars Nova foi um movimento que trouxe uma nova forma de notação para a composição musical do século XIV. O compositor, musicólogo e também bispo de Meux Philippe de Vitry  escreveu o tratado denominado Ars Nova Musicae  dando nome ao método estilístico musical da época. Com a chegada da nova notação musical o estilo de composição a forma de composição acabou sendo influenciada e sofreu algumas mudanças.
         A monodia (música cantada a uma só voz sem acompanhamento) já não é mais a única forma de canto utilizada nas composições e a polifonia já faz parte tanto das musicas profanas quanto das musicas sacras. A forma musical denominada missa (forma musical escrita para vozes com textos da igreja católica) passa a sesor explorada por diversos compositores até mesmo porque muitos sacerdotes da igreja eram também compositores ou estudavam a historia da musica sempre se preocupando com a imagem da igreja e a influência da música sobre ela.
         Sobre a notação podemos perceber uma grande evolução com o passar dos séculos na historia musical. A mudança do modo de notação aconteceu porque no início esta servia como uma simples referência para que os cantores não se perdessem nas peças executadas, com o passar dos anos a composição musical passou a ser tão exata que foi necessária a modificação e elevação da escrita musical para um nível cada vez maior, buscando uma forma de descrever completamente todas as notas, dinâmicas e expressões desejadas pelos compositores.
          Exemplos:


          Neuma foi um dos sistemas utilizados para representar a notação musical. Servia basicamente para expor quando o movimento musical era ascendente ou descendente.


          Outro exemplo que expõe a letra da composição e o movimento que a voz realiza na execução. Podemos perceber que não é muito exato e que se o executante não conhecer a peça terá algumas dificuldades para realizá-la. A ideia proposta por Philippe de Vitry foi estabelecer a mínima como unidade de medida básica.



             Exemplo de uma partitura antiga com a divisão rítmica proposta por Vitry:



          Exemplo de transcrição da notação usada na Ars Nova para a notação usada hoje em dia:

          Nessas duas ultimas partituras já podemos perceber uma disposição das notas e dos tempos mais parecida com a que utilizamos hoje em dia, até mesmo pela presença das hastes e pela posição delas para cima ou para baixo dependendo da posição da nota na pauta. O criador da notação moderna na pauta antiga foi o monge italiano Guido d’Arezzo, que encerrou a utilização de neumas na história da música e batizou as notas musicas com os nomes que conhecemos até hoje.
         Outra característica da Ars Nova foi a utilização da isorritmia, que significa mesmo ritmo. Essa proposta era baseada em combinar uma sequência rítmica com uma sequência fixa de notas onde a ordem de durações ou ritmos é chamada de talea. Os compositores Philippe  de Vitry e Guillaume de Machaut utilizaram muito a isorritmia em suas obras.

                    Quant en Moy - Moteto com Isorritimia de Guillaume de Machaut:


    
                    Guillaume de Machaut

          Guillaume de Machaut foi o principal compositor francês da Ars Nova. Ele nasceu no norte do país e foi instruído na igreja vindo a se tornar sacerdote. Acompanhou o rei em diversas campanhas militares até a morte do mesmo, depois disso passou a servir a corte francesa. Suas obras têm uma grande riqueza rítmica que deixou influências para os compositores posteriores e além de ter obtido fama por suas composições musicais, Machaut ficou conhecido por seus belos poemas. Dentre suas obras estão 22 rondeaux, 44 ballades, 19 lais, 24 motetos, 33 virelais, 1 chanson royal e 1 complainte.
          Exemplos de obras compostas por Guillamume de Machaut:

                                                            Rondeau:

 Je Vivroie Liement: 

                    A Messe de Notre Dame de Machaut (1370)

              Foi a composição mais famosa do séc. XIV por ser dedicada à missa de Notre Dame. Não foi a primeira composição polifônica, mas o primeiro arranjo a quatro vozes. O Kyrie, o Glória, o Credo, o Sanctus e o Agnus Dei foram feitos do mesmo modo, com a mesma estrutura melismática, baseados no mesmo tema. As composições eram cantadas por coros, e o regente, chamado de mestre de coros, tinha a livre opção para escolher qual delas a apresentar por completo. Mesmo com todas as subdivisões de Machaut, esse agrupamento é considerado como uma composição só para muitos autores, mesmo elas sendo executadas em momentos diferentes. O andamento era definido pelo clima da missa que estava sendo executada.


                                               Exemplo das representações:


          As composições eram diretas e impessoais, sem liberdade para inclusão de sugestões emocionais aos textos, com exceção do Credo, onde é mencionado o nome Maria Virgine, com destaque perante a frase dita. Era comum que algum instrumento tocasse a mesma melodia que a voz, principalmente junto ao contratenor e aos tenores nos andamentos isorrítmicos. Isso acontecia frequentemente no Gloria e no Credo durante breves interlúdios. Não se sabe exatamente quais instrumentos eram utilizados, assim como o motivo para criação das obras. Há uma suspeita de ter sido feita para celebrar a coroação do rei Carlos V da França em 1364.
              A diminuição do prestígio da Igreja e a secularização da arte prejudicou  a produção de música sacra. Leva-se em conta também a má visão da Igreja perante as peças musicais elaboradas nos serviços religiosos. Um dos motivos eram as declarações eclesiásticas contra músicas complicadas e demonstrações de virtuose pelos cantores. Os religiosos alegavam que aquelas práticas distraíam os espíritos da congregação e acarretariam na transformação da missa em um concerto, e fariam com que as liturgias fossem mascaradas pelas melodias rebuscadas. Na Itália, esse comportamento eclesiástico teve a função de desencorajar a produção polifônica. O papa João XXII promulgou em Avignon em 1324 que em dias festivos, missas solenes e no ofício divino, seria autorizado a utilização dos intervalos de oitavas, quartas e quintas. Para isso, a integridade do cantochão não deveria ser afetada. Os motetes e os andamentos corais com texto para todas as vozes à maneira dos conductus continuavam a se desenvolver na França. No final do séc. XIV e início do séc XV, os compositores escreveram missas e hinos no estilo cantilena, com uma voz e dois instrumentos de acompanhamento.

 Guillaume de Machaut recebendo a visita de Amour com seus três filhos em seu escritório.


Balada poética com ballade notée B41. "En amer a douce vie" de "Le Remède de Fortune" (1342)

          Obras Profanas (Os Lais e Virelais):


               Machaut compunha também cantigas monofônicas na mesma forma que os troveiros franceses, sendo elas dezenove lais e vinte e cinco virelais. O lai é uma forma que surgiu no século XII e tem semelhança com os virelais. Eram cantigas denomidas chansons balladées, com a forma ABBA, na qual a parte A é o refrão, B a estrofe , que se repete, e A novamente representando a segunda parte da estrofe. Machaut também escreveu sete virelais polifônicos para duas ou três vozes, geralmente um contratenor, um tenor e um instrumento. No exemplo a seguir,  o ritmo foi baseado na divisão binária mais perceptível ao ouvido.



          Com isso, Machaut expôs uma nova possibilidade de divisão binária do tempo, junto às  formes fixes. Em muitas de suas cantilenas a estrutura era a seguinte:
   * A voz principal era a Cantus, mais aguda.
   * O tenor servia como acompanhamento.
   * O contratenor (triplum), fazia consonância com o tenor.
               Os rondéis, virelais polifônicos e ballades notées (diferente das baladas poéticas sem música), são exemplos de suas baladas e cantilenas. Para acompanhamento, segue a letra e áudio de uma de suas virelais, Douce Dame Jolie, interpretada por uma mulher.




                                                      Notação de uma virelai.


         Música Ficta e seus acidentes    

          A música ficta surgiu do diálogo entre os acidentes na música e o sistema de hexacordes utilizado na música francesa e italiana do século XIV. Os três sistemas designados por Guido d’Arezzo eram natural, duro e mole, possuíam semitons entre mi/fá, lá/sib e si/dó. Qualquer nota que se encontrasse fora desse sistema era designada como fingida (ficta), dando nome ao estilo musical. Os cantores da época deveriam ter a percepção para emitir notas alteradas em situações  diversas para evitar trítonos e emitir melodias mais consonantes. Prodoscimo, ao escrever In Contrapunctus, definiu música ficta como a representação de sílabas onde elas não parecem estar, alterando o colorido musical gerando consonâncias que não seriam possíveis com a música vera ou reta.
          O cromatismo utilizado para aumentar ou diminuir certas notas tornou a harmonia da música algo mais suave.  A música ficta deu mais foco à cadência e liberdade à melodia. O cromatismo implícito apareceu nas obras de Josquin des Pres e Adrian Willaert, que transpunham os conhecidos hexacordes para tonalidades diferentes das tradicionais. Nas edições mais modernas de música ficta possuem acidentes sugeridos para o executante, como mostrado na imagem abaixo, com a música "Victimae paschali laudes," Ex. #35, de Johannes Brunet.


Fontes:
GROUT, Donald J. História da Música Ocidental. Lisboa: Editora Gradiva, 2007
MICHELS, Ulrich. Atlas de Música Vol. 1. Lisboa: Editora Gradiva, 2003
LEICHTENTRITT, Hugo. Musica, Historia e Ideias: Read Books, 2007
MACHAUT, Guillaume. Biografia. Disponível em: <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/354543/Guillaume-de-Machaut >. Acesso em: 10 dez. 2011
MACHAUT, Guillaueme. Biografia. Disponível em: <http://www.classical.net/music/comp.lst/machaut.php >

Ars Novae Parte I



Giotto di Bondone, A Lamentação, Capella degli Scrovegni, 1304-1306

Ars Nova é a denominação de um novo estilo de música do século XIV, comumente associada à polifonia desse século. De modo que a pratica musical anterior a essa, a do século XIII, é denominada Ars Antiqua. O período da Ars Nova compreende em torno dos anos 1320 a 1380. Foi mais forte na França, mais especificamente em Paris, embora alguns autores digam que essas novas características musicais tenham aparecido na Itália nesse mesmo século.
O nome Ars Nova deriva do tratado, de mesmo nome, escrito por Philippe de Vitry, em 1322, em que foi proposto um novo modelo de notação musical para abranger essa nova forma de expressão musical (por exemplo, as divisões binárias dos ritmos e características composicionais como a proibição das quintas paralelas). Na verdade, outra obra, escrita em 1321, portanto anterior a de Philippe de Vitry, já expunha algumas características dessa nova musica: o Notitia Artis Musicae, de Johannes de Muris.
Entre os anos de 1321 e 1324 foi publicado, em oposição às ideias modernas da Ars Nova, o Speculum Musicae, em sete volumes, escrito por Jacob de Liège, em que se reunia toda a teoria conhecida da música medieval da Ars Antiqua.

                                   áudio: Motete Ars Nova: Alle Psallite Cum Luya

Características
No final do século XI a polifonia já tinha se desenvolvido bastante a ponto de os compositores conseguirem combinar duas linhas melódicas independentes – durante o século XI surgiu o organum livre, que funcionava como um contracanto, como um espelho. Esse desenvolvimento foi possível graças à invenção de uma notação musical precisa. Mas foi um jogo de ação e reação: os progressos da notação foram também acelerados por conta do desenvolvimento da polifonia (os sistemas se desenvolveram ao longo dos séculos para, segundo afirmam os autores de História da Música Ocidental, “satisfazerem as necessidades de uma escola de compositores polifónicos que exerciam sua actividade em Paris”). Era um jogo necessário: para se cantar em simultâneo duas ou mais melodias, a altura dos sons tinha de ser legível o suficiente e as relações rítmicas deveriam ser bem traduzidas. O sistema que se desenvolveu apresentava durações por meio de símbolos, indicava padrões rítmicos (talea) e intervalares (color) diferentes por meio de determinadas combinações de notas. A base desse sistema era a unidade tripla de medida: a que se dava o nome de perfeito.
organum: o caminho para a conquista da independência melódica, partindo do movimento contrário entre as vozes (imagem de: http://fkoozu.multiply.com/journal/item/24)
Na Ars Nova, a subdivisão das figuras rítmicas passou a ser em dois tempos – e ficou conhecida como imperfeita. A indicação de modo (perfeito ouimperfeito) encontrava-se sempre no início de uma partitura: um círculo completo representava uma subdivisão perfeita e um semicírculo, uma imperfeita.
Notação Ars Nova (imagem de: pt.wikipedia.7val.com)

O ponto (notas pontuadas) começou a ser usado para indicar uma subdivisão ternária. Havia um nome específico para cada subdivisão: maximodus, para relação máxima – longa; modos, para relação longa – breve; tempus, para relação breve – semibreve; prolatio, para semibreve – mínima. E uma relação mínima – semínima.
O motete, a cantilena e as missas (dentre as quais se destaca a Missa de Notre Dame, de Guillaume de Machault) são as principais formas musicais da Ars Nova. Compositores importantes do período são Gillaume de Machaut e Phillipe de Vitry, da França, e Francesco Landini, da Itália.
                               
Motete


                                   
Ao cantochão da Idade Média ia-se adicionando uma ou mais vozes, a partir do século XI, e surgiam assim o organum e o conductus, que eram contracantos, funcionavam como espelhos. O organum melismático surgiu no século XII. E no século XIII esse tipo de composição dá lugar às de linhas melódicas mais rítmicas, as clausulae dos organum (o nascimento da polifonia), que poderiam ser tanto de inspiração religiosa quanto profana. A polifonia acaba com uma das principais características da música feita nas igrejas desde o século X: a ausência de pulso. Para a execução de melodias polifônicas fez-se necessário o pulso (marcação regular), visto que sem essa base a execução dessas obras se torna praticamente impossível.

Motete de peça coral, baseado em texto latino, para uso na Igreja Católica Romana (imagem de: http://maban.com.br/?p=39)


 O motete era uma forma de interpretar determinadas partes do cantochão da Idade Média, partes preferencialmente solistas, de maneiras especialmente ornamentadas e elaboradas, a fim de destacar o texto. Era um dos estilos principais de composição da escola de Notre Dame. Surgiu em meados do século XIII, em Paris, e foi depois difundido em toda Europa. As clausulae em estilo de descante (baseado em um organum melismático, em que a linha do tenor era melismática e contrapontística, de contracanto) de Léonin é que deram a forma ao motete. A partir do descante foram definidos padrões rítmicos (desenhos rítmicos) para as vozes, principalmente para a do tenor.
A inovação de Léonin, com suas clausulae, foi de grande influência para os compositores da geração seguinte, tanto que, a partir daí, foram criadas clausulae de substituição para muitas composições antigas, chegando-se a escrever várias delas usando o mesmo tenor. Em meados do século XIII, as vozes superiores receberam letras e foram ganhando cada vez mais independência. As clausulae se tronaram, então, composições separadas dos organa de que faziam parte e, devido à letra que fora adicionada, receberam o nome de motete (do francês mot, que significa palavra). A princípio, o termo motete era usado para designar os textos franceses que eram usados na segunda voz de uma clausula. Mais tarde a composição em si passou a ser chamada de motete.
A segunda voz (o duplum original) do motete é chamada de motetus, a terceira voz é o triplum, e a quarta, quadruplum, assim como no organum de Pérotin. A maioria dos motetes tem um texto diferente para cada voz, e seu título é indicado pelas primeiras palavras de cada uma das vozes, começando pela mais aguda. O tipo mais antigo de motete possuía os textos em latim nas vozes agudas e era sempre baseado em uma clausula de substituição. Antes mesmo de 1250, frequentemente utilizavam-se textos diferentes, mas com contexto semelhante, para as duas vozes superiores de um motete a três vozes. Os textos podiam ser da mesma língua ou de línguas diferentes. Isso se tornou comum na segunda metade do século XIII: era o princípio da politextualidade. Nos motetes politextuais, os dois textos se complementam numa única língua. Com o tempo, algumas modificações importantes foram surgindo, dentre elas: a) o fato de que as melodias agudas começaram a ser criadas para que qualquer poema pudesse ser escrito sobre elas (antes se mantinha a melodia original do organum e o texto é que tinha de se adaptar a ela, agora se podia trabalhar sobre ritmos e fraseados com mais liberdade, sendo que a voz do tenor era conservada); b) o fato de que começou-se a cantar motetes em ambientes profanos e, nesse caso, as vozes superiores possuíam textos geralmente em língua vernácula (língua nativa falada de determinada localidade). O tenor às vezes possuía uma melodia de cantochão como cantus firmus (canto que não se altera), porém como sua finalidade não era mais litúrgica, era tocado com instrumentos, não sendo necessário cantar o texto original; c) os tenores dos motetes não eram mais extraídos somente dos livros de Notre Dame (a partir de 1275) e sim de kyries, hinos e canções profanas contemporâneas; e d) as fórmulas rítmicas modais deram espaço a uma flexibilidade rítmica e os finais de frases coincidentes do motetus e do triplum, com as pausas do tenor, deram espaço ao começar e terminar das frases em pontos diferentes para todas as vozes.

Os textos dos motetes usam imagens e expressões estereotipadas e possuem esquemas de rimas e certa estrutura de destaque em determinadas sílabas, seja simultaneamente ou como um eco entre as vozes, o que reforça a idéia de conteúdo semelhante entre os diferentes textos. Nos motetes franceses, o tenor gregoriano era mantido apenas como um cantus firmus tocado por instrumentos, e os textos das vozes superiores não possuíam relação com seu contexto. Os textos franceses eram quase sempre canções de amor. Os motetes franceses podiam possuir uma espécie de refrão, que era um ou dois versos que surgiam de forma idêntica (isso se tornou menos frequente na segunda metade do século XIII).
As vozes eram independentes e não possuíam um conjunto homogêneo, sua unidade se fazia através das consonâncias e resultados sonoros, e podiam expressar uma idéia simbólica superando as diferenças lingüísticas dos textos.

                      áudio: Motete religioso: Veni Sance Spiritus

1.      Motete Franconiano
Originado do nome de Franco de Colónia, compositor e teórico da época. É um tipo de motete mais tardio onde o triplum recebeu um texto mais longo do que omotetus, e sua melodia se tornou mais rápida que no segundo, ao contrário do que ocorria anteriormente, onde essas duas vozes possuíam um estilo melódico e rítmico análogos de andamento moderadamente rápido. O triplum que possuía frases curtas e notas breves dependia do contraste da regularidade do motetus e da firmeza do tenor.
No final do século XIII havia dois tipos de motetes: um sobre um tenor profano francês onde as vozes desenvolviam um ritmo mais parecido; e outro, derivado do motete franconiano, onde o triplum era mais rápido, o motetus mais lento e o tenor de cantochão com o ritmo rigoroso. Esse último recebeu o nome de petroniano, de Petrus de Cruce, que entre 1270 e 1300 compôs motetes com otriplum em velocidade muito rápida – algo até então inédito.
Já no final do século XIII, as consonâncias de quinta e oitava eram aceitas para os tempos fortes. A quarta era considerada cada vez mais como uma dissonância e as terças estavam começando a serem consideradas consonâncias. Sobre cada nota do tenor deveria haver consonâncias e, entre essas notas, as vozes superiores podiam causar dissonâncias. Nessa época, não havia preocupação com a questão vertical da música e a ocorrência de dissonâncias era constante, principalmente em melodias a quatro vozes.


2.      Motete Issoritmico
É o tipo de motete específico da Ars Nova. Seu modelo rítmico é mais extenso e polifônico. Usava-se de repetições rítmicas e intervalares para se criar uma relação entre o todo de uma grande obra dividida em partes, tais como uma missa ou um motete.
Com a complexidade musical criada pelos compositores da Ars Nova, tornou-se necessária a criação de um meio que desse sentido ao todo das peças, que criasse uma relação entre toda a obra em meio a tanta informação gerada pelos novos materiais composicionais: disso surgiu a isorritmia.

Motete isorritmico feito a partir do canto gregoriano de origem (imagem de: http://cpms-estilosyformas.blogspot.com/2010/03/isorritmia.html)
O tenor está baseado neste fragmento de cantochão (imagem de: http://cpms-estilosyformas.blogspot.com/2010/03/isorritmia.html)
  Os compositores passaram a estabelecer dois elementos para a composição das linhas melódicas, principalmente a do tenor: primeiro, a série de intervalos que compõe a melodia (color), e segundo, o padrão rítmico (talea: corte ou segmento).Esses padrões, color talea, eram repetidos sucessivamente durante toda a obra criando uma unidade. Tanto a talea como o color podiam variar de tamanho e estrutura, a fim de elaborar mais a composição. Ou seja: os dois poderiam ser do mesmo tamanho, com a quantidade de notas coincidindo com a quantidade de ataques – sendo o padrão repetido durante toda uma peça; ou uma parte poderia ser maior que a outra, de modo que suas terminações não coincidissem, criando uma complexidade maior na obra.
Phillipe de Vitry e Guillaume de Machaut já compunham motetes isorritmicos em 1320. Contudo, esses compositores posteriormente não confinaram a isorritimia apenas ao tenor, mas também às vozes superiores. E os compositores ingleses, no final do século XVI, desenvolveram a isorritimia em todas as vozes – e criaram um processo em que duas talea correspondiam a um color. Porém, na música dos compositores do século XIV, a talea poderia também ir repetindo com reduções graduais em um terço ou pela metade, dando mais um contorno melódico variado a obra. Pode-se afirmar que a isorritimia foi a grande criação da música gótica do século XIV, porque constitui uma das grandes estruturações racionais de toda a história da música (esses padrões se estendem durante os séculos gerando frutos até hoje.
Trecho do Kyrie, na forma motete isorritmico, da Messe de Notre Dame, de Machaut(http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:TenMachautKyrie.jpg)
Roman de Fauvel
                                          áudio: Roman de Fauvel - Gervais du Bus

No século XIV os compositores já produziam muito mais música profana que música sacra. O mais antigo documento musical francês desse século é o Roman de Fauvel: um poema satírico, datado de 1310 – 1314, em que são interpretadas 167 peças de música. A maioria delas é monofônica (rondeis, baladas e diversos tipos de cantochão). Dos textos, muitos são denúncias do clero e alusões a acontecimentos políticos: são alusões características do motete do século XIV (nesse século o motete se tornou a forma típica de composição para celebração musical de solenidades eclesiásticas e seculares).
Página do Roman de Fauvel (imagem de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ars_nova) 
 As baladas (ou cantilenas) foram uma das mais importantes realizações de Guillaume de Machaut. Compunham-se de três ou quatro estrofes, cantadas todas com a mesma música e seguidas de um refrão. Dentro das estrofes, os dois primeiros versos (pares de versos) tinham a mesma música, embora o final de cada uma pudesse variar. Os versos restantes de cada estrofe, e também o refrão, tinham música diferente. A forma da cantilena pode ser resumida no esquemaaabC, sendo C o refrão. Machaut escreveu-as a duas, três e quatro vozes e para diferentes combinações de vozes e instrumentos – embora suas composições mais características tenham sido para tenor solo ou dois tenores com partes instrumentais mais graves. Em outras palavras, a estrutura de cantilena mais comum era uma composição para voz a solo (ou dois tenores) com geralmente duas partes instrumentais a acompanhá-las.

                                                      áudio: Motete de Machaut 

Philippe de Vitry
Philippe de Vitry (imagem de: http://corocamarabejabiografias.blogspot.com/2010/03/philippe-de-vitry.html)
 O que se sabe sobre Philippe De Vitry é que ele foi compositor, matemático, diplomata, militar, musicólogo, filósofo e poeta francês, e ainda era Bispo de Meux e foi um pioneiro da Ars Nova. Escreveu o Tratado Ars Nova Musicaeaproximadamente no ano de 1320 – foi o documento que nomeou o período inteiro do século XIV.

                   áudio:  Phillipe de Vitry - Douce Pleysence / Garison Selon Nature
  
No tratado de Vitry há a abordagem de teorias musicais inovadoras e complexas para a época, dentre elas: a solmização (sistema de musicologia que atribui uma sílaba distinta a cada nota em uma dada escala musical), a Musica Ficta (referia-se a alterações cromáticas, não notadas na partitura, que deveriam ser realizadas pelo executante) e a Notação Mensural (sistema para notação de ritmos complexos com grande exatidão e flexibilidade) mais moderna de sua época, defendendo a adoção livre do ritmo binário e  codificando os modos rítmicos.
Descreveu a isorritmia (uma única figura rítmica repetida continuamente por uma voz) e a aplicou ao motete, consolidando a forma do motete isorrítmico. Reconhece a existência de cinco valores de nota (duplex longa, longa, brevis, semibrevis, e mínimos) e estabeleceu a mínima como unidade de medida básica. Ele também discute o uso de notas vermelhas para sinalizar tanto as mudanças de significado mensural e desvios a partir de um cantus firmus original.
Trecho do tratado de Vitry (imagem de: pt.wikipedia.org/)
 Cinco de seus motetes foram preservados no Roman de Fauvel, e mais tarde quando outros motetes seus foram descobertos, foram catalogados em outros documentos. Seus motetes são profanos em sua maioria e possuem mais assuntos políticos do que românticos.
                                    

Fontes:
ANSWERS.COM. Philippe de Vitry. Disponível em: <http://www.answers.com/topic/philippe-de-vitry>. Acesso em: 19 nov. 2011
DICKEY, Timothy. Biografia. Disponível em: <http://www.allmusic.com/artist/philippe-de-vitry-q8089/biography>. Acesso em: 19 nov. 2011
GROUT, Donald J. História da Música Ocidental. Lisboa: Editora Gradiva, 2007
KENNEDY, Michael. Dicionário Oxford de Música. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1994
MICHELS, Ulrich. Atlas de Música Vol. 1. Lisboa: Editora Gradiva, 2003
SADIE, Stanley. Dicionário do Groove e da Música. Rio de Janeiro: Zahar, 1994

Escola de Notredame


Escola de Notre-Dame



        No início do século XII, nas ricas e poderosas cidades de Flandres, ao norte da Bélgica, todas as formas musicais começaram a ser assenhoreadas pelo estilo polifônico e não demorou muito para que ele as dominasse. Apesar de ainda não existir o sentimento de harmonia (combinação vertical de sons simultâneos) como o que temos hoje em dia, podemos sentir a polifonia de forma horizontal entendendo-a como curso simultâneo de diversas linhas melódicas se desenvolvendo paralelamente seguindo as rígidas regras contrapontísticas que visavam consonâncias ou a imediata resolução de intervalos dissonantes.

         A primeira anotação de um cânone polifônico, apesar de registrar-se na Inglaterra, no vigésimo ano do século XIII, com o chamado “Cânone de Verão” (-“Sumer is i-cumen in’’-), pode se considerar como primeiro documento de uma grande forma musical polifônica para três vozes a ‘’Missa de Tournay’’(feita em 1350). Escrito para quatro vozes, consideramos a missa criada por Giullaume de Machault em 1364, para a coroação de Carlos V da França, nela o estilo polifônico se torna mais livre e complexo. Quando ouvimos trechos dessas polifonias com sua multiplicidade de melodias simultâneas e seus duros acordes (que não são acordes para nossa noção atual de harmonia), temos uma incrível sinestesia, onde nossos ouvidos nos levam a ver uma esplendida época profundamente mística.
       Com a necessidade de avançar tecnicamente na música, os compositores polifônicos criaram uma escola pioneira no ramo, a Escola de Notre-Dame. Ela exercia suas atividades em torno de Paris, Beauvais, Sens e outras localidades do Centro-Norte de França. Seus dois principais compositores eram o poeta e músico Léonin (c. 1159 – c. 1201), cônego da catedral Bienheureuse-Vierge-Marie de Paris, a futura Notre-Dame,  e Pérotin (c. 1170 – c. 1236) que foi seu sucessor. 

       Léonin teve sua primeira referência escrita apenas depois de mais de um século após sua morte, por um monge que o definiu como "o maior compositor de organum para amplificação do serviço divino". Infelizmente nenhum de seus trabalhos realmente chegou até o século 20, mas acredita-se que ele seja um dos autores do Magnus Liber (O Grande Livro)Este livro é um manuscrito que contém peças de organum , um estilo primordial para música polifônica. Ele envolvia a adição de várias vozes, tanto improvisadas quanto escritas, ao estilo cantochão (também chamado canto Gregoriano). Léonin usava o estilo silábico, ou seja, havia uma nota para cada sílaba e seus valores eram aumentados caso elas fossem tocadas ao invés de cantadas. Já a parte superior, cantada pelo tenor, era repleta de melismas, essa sobreposição de vozes ficou conhecida como duplum. O Magnus Liber foi completado e revisto por Perotin, estipula-se que ele tenha escrito mais de 80 organa a duas vozes.
        Leonin também utilizava do chamado organum clausulal, ele é considerado uma evolução do organun tardio, pois o compositor trabalhava em cima do cantus firmus. Este se desenvolvia de forma usual até um determinado momento em que o andamento aumenta e as notas tem seu ritmo encurtado, o trecho do canto original é feito só de melismas na voz do baixo “o compositor, em vez de alongar as notas desse mesmo melisma na voz inferior e construir sobre cada uma extenso melisma na voz superior (duplum), submetia esta parte do cantus firmus à uma fragmentação segundo uma fórmula rítmica, opondo a ele um discantus uma a quatro notas contra uma da parte mais grave.”(KIEFFER, 1981, p.19-20).
     - Pérotin - Alleluia Nativas



- O cantochão original




       

   - Após modificado com o 
clausulal










Perotin foi o compositor francês a quem se atribui a criação da polifonia a quatro vozes. Trabalhou na mesma Igreja que Léonin, de 1180 até cerca de 1230, na função de mestre de coro. Além de revisar muitos organa anteriores ele fez modificações nas partituras a fim de deixá-los mais modernos e enriquecendo-os com a adição de mais vozes, ou seja, ele acrescentava a um organum duplum, uma terceira ou até mesmo uma quarta voz. No final do século XIII é referenciado como o homem que melhorou e editou o Magnus Liber, julga-se que trabalhou com o poeta Philippe de Chancelier, cujos textos musicou.
        Acredita-se que esses dois marcantes compositores tiveram inúmeros alunos, anônimos à história, dos quais foram encontradas algumas obras e é a eles que nos referimos genericamente como Escola de Notre-Dame. Eles cultivaram os oorganum, o moteto (uma clausula, em que o texto da voz superior era substituído por outro, normalmente em latim) e o conduit (forma mais rudimentar e livre, sem fins litúrgicos, tendo o tenor com uma melodia profana e inteiro cantado em estilo silábico, com exceção do triplum).

Pérotin - Sederunt Principes



Pérotin - Viderunt Omnes

Léonin - Dulce lignum


Léonin - Assumpta est Maria

http://semibreves.blogspot.com/2011/01/perotin.html Acessado em 01/12/2011
http://semibreves.blogspot.com/2011/01/lenin.html Acessado em 01/12/2011
http://pt.cantorion.org/composers/2/Leonin Acessado em 29/11/2011
http://www1.cpdl.org/wiki/index.php/Category:Medieval_music Acessado em 01/12/2011
História da Música Ocidental - Grout e Palisca; 2007
http://www.lastfm.com.br/search?q=L%C3%A9onin&from=ac Acessado em 06/12/2011
http://www.renatacortezsica.com.br/compositores/medievais.htm Acessado em 06/12/2011





















Pérotin - Viderunt omnes