sábado, 7 de fevereiro de 2015

Ars Novae Parte II

 Ars Nova Como Inovação

         A Ars Nova foi um movimento que trouxe uma nova forma de notação para a composição musical do século XIV. O compositor, musicólogo e também bispo de Meux Philippe de Vitry  escreveu o tratado denominado Ars Nova Musicae  dando nome ao método estilístico musical da época. Com a chegada da nova notação musical o estilo de composição a forma de composição acabou sendo influenciada e sofreu algumas mudanças.
         A monodia (música cantada a uma só voz sem acompanhamento) já não é mais a única forma de canto utilizada nas composições e a polifonia já faz parte tanto das musicas profanas quanto das musicas sacras. A forma musical denominada missa (forma musical escrita para vozes com textos da igreja católica) passa a sesor explorada por diversos compositores até mesmo porque muitos sacerdotes da igreja eram também compositores ou estudavam a historia da musica sempre se preocupando com a imagem da igreja e a influência da música sobre ela.
         Sobre a notação podemos perceber uma grande evolução com o passar dos séculos na historia musical. A mudança do modo de notação aconteceu porque no início esta servia como uma simples referência para que os cantores não se perdessem nas peças executadas, com o passar dos anos a composição musical passou a ser tão exata que foi necessária a modificação e elevação da escrita musical para um nível cada vez maior, buscando uma forma de descrever completamente todas as notas, dinâmicas e expressões desejadas pelos compositores.
          Exemplos:


          Neuma foi um dos sistemas utilizados para representar a notação musical. Servia basicamente para expor quando o movimento musical era ascendente ou descendente.


          Outro exemplo que expõe a letra da composição e o movimento que a voz realiza na execução. Podemos perceber que não é muito exato e que se o executante não conhecer a peça terá algumas dificuldades para realizá-la. A ideia proposta por Philippe de Vitry foi estabelecer a mínima como unidade de medida básica.



             Exemplo de uma partitura antiga com a divisão rítmica proposta por Vitry:



          Exemplo de transcrição da notação usada na Ars Nova para a notação usada hoje em dia:

          Nessas duas ultimas partituras já podemos perceber uma disposição das notas e dos tempos mais parecida com a que utilizamos hoje em dia, até mesmo pela presença das hastes e pela posição delas para cima ou para baixo dependendo da posição da nota na pauta. O criador da notação moderna na pauta antiga foi o monge italiano Guido d’Arezzo, que encerrou a utilização de neumas na história da música e batizou as notas musicas com os nomes que conhecemos até hoje.
         Outra característica da Ars Nova foi a utilização da isorritmia, que significa mesmo ritmo. Essa proposta era baseada em combinar uma sequência rítmica com uma sequência fixa de notas onde a ordem de durações ou ritmos é chamada de talea. Os compositores Philippe  de Vitry e Guillaume de Machaut utilizaram muito a isorritmia em suas obras.

                    Quant en Moy - Moteto com Isorritimia de Guillaume de Machaut:


    
                    Guillaume de Machaut

          Guillaume de Machaut foi o principal compositor francês da Ars Nova. Ele nasceu no norte do país e foi instruído na igreja vindo a se tornar sacerdote. Acompanhou o rei em diversas campanhas militares até a morte do mesmo, depois disso passou a servir a corte francesa. Suas obras têm uma grande riqueza rítmica que deixou influências para os compositores posteriores e além de ter obtido fama por suas composições musicais, Machaut ficou conhecido por seus belos poemas. Dentre suas obras estão 22 rondeaux, 44 ballades, 19 lais, 24 motetos, 33 virelais, 1 chanson royal e 1 complainte.
          Exemplos de obras compostas por Guillamume de Machaut:

                                                            Rondeau:

 Je Vivroie Liement: 

                    A Messe de Notre Dame de Machaut (1370)

              Foi a composição mais famosa do séc. XIV por ser dedicada à missa de Notre Dame. Não foi a primeira composição polifônica, mas o primeiro arranjo a quatro vozes. O Kyrie, o Glória, o Credo, o Sanctus e o Agnus Dei foram feitos do mesmo modo, com a mesma estrutura melismática, baseados no mesmo tema. As composições eram cantadas por coros, e o regente, chamado de mestre de coros, tinha a livre opção para escolher qual delas a apresentar por completo. Mesmo com todas as subdivisões de Machaut, esse agrupamento é considerado como uma composição só para muitos autores, mesmo elas sendo executadas em momentos diferentes. O andamento era definido pelo clima da missa que estava sendo executada.


                                               Exemplo das representações:


          As composições eram diretas e impessoais, sem liberdade para inclusão de sugestões emocionais aos textos, com exceção do Credo, onde é mencionado o nome Maria Virgine, com destaque perante a frase dita. Era comum que algum instrumento tocasse a mesma melodia que a voz, principalmente junto ao contratenor e aos tenores nos andamentos isorrítmicos. Isso acontecia frequentemente no Gloria e no Credo durante breves interlúdios. Não se sabe exatamente quais instrumentos eram utilizados, assim como o motivo para criação das obras. Há uma suspeita de ter sido feita para celebrar a coroação do rei Carlos V da França em 1364.
              A diminuição do prestígio da Igreja e a secularização da arte prejudicou  a produção de música sacra. Leva-se em conta também a má visão da Igreja perante as peças musicais elaboradas nos serviços religiosos. Um dos motivos eram as declarações eclesiásticas contra músicas complicadas e demonstrações de virtuose pelos cantores. Os religiosos alegavam que aquelas práticas distraíam os espíritos da congregação e acarretariam na transformação da missa em um concerto, e fariam com que as liturgias fossem mascaradas pelas melodias rebuscadas. Na Itália, esse comportamento eclesiástico teve a função de desencorajar a produção polifônica. O papa João XXII promulgou em Avignon em 1324 que em dias festivos, missas solenes e no ofício divino, seria autorizado a utilização dos intervalos de oitavas, quartas e quintas. Para isso, a integridade do cantochão não deveria ser afetada. Os motetes e os andamentos corais com texto para todas as vozes à maneira dos conductus continuavam a se desenvolver na França. No final do séc. XIV e início do séc XV, os compositores escreveram missas e hinos no estilo cantilena, com uma voz e dois instrumentos de acompanhamento.

 Guillaume de Machaut recebendo a visita de Amour com seus três filhos em seu escritório.


Balada poética com ballade notée B41. "En amer a douce vie" de "Le Remède de Fortune" (1342)

          Obras Profanas (Os Lais e Virelais):


               Machaut compunha também cantigas monofônicas na mesma forma que os troveiros franceses, sendo elas dezenove lais e vinte e cinco virelais. O lai é uma forma que surgiu no século XII e tem semelhança com os virelais. Eram cantigas denomidas chansons balladées, com a forma ABBA, na qual a parte A é o refrão, B a estrofe , que se repete, e A novamente representando a segunda parte da estrofe. Machaut também escreveu sete virelais polifônicos para duas ou três vozes, geralmente um contratenor, um tenor e um instrumento. No exemplo a seguir,  o ritmo foi baseado na divisão binária mais perceptível ao ouvido.



          Com isso, Machaut expôs uma nova possibilidade de divisão binária do tempo, junto às  formes fixes. Em muitas de suas cantilenas a estrutura era a seguinte:
   * A voz principal era a Cantus, mais aguda.
   * O tenor servia como acompanhamento.
   * O contratenor (triplum), fazia consonância com o tenor.
               Os rondéis, virelais polifônicos e ballades notées (diferente das baladas poéticas sem música), são exemplos de suas baladas e cantilenas. Para acompanhamento, segue a letra e áudio de uma de suas virelais, Douce Dame Jolie, interpretada por uma mulher.




                                                      Notação de uma virelai.


         Música Ficta e seus acidentes    

          A música ficta surgiu do diálogo entre os acidentes na música e o sistema de hexacordes utilizado na música francesa e italiana do século XIV. Os três sistemas designados por Guido d’Arezzo eram natural, duro e mole, possuíam semitons entre mi/fá, lá/sib e si/dó. Qualquer nota que se encontrasse fora desse sistema era designada como fingida (ficta), dando nome ao estilo musical. Os cantores da época deveriam ter a percepção para emitir notas alteradas em situações  diversas para evitar trítonos e emitir melodias mais consonantes. Prodoscimo, ao escrever In Contrapunctus, definiu música ficta como a representação de sílabas onde elas não parecem estar, alterando o colorido musical gerando consonâncias que não seriam possíveis com a música vera ou reta.
          O cromatismo utilizado para aumentar ou diminuir certas notas tornou a harmonia da música algo mais suave.  A música ficta deu mais foco à cadência e liberdade à melodia. O cromatismo implícito apareceu nas obras de Josquin des Pres e Adrian Willaert, que transpunham os conhecidos hexacordes para tonalidades diferentes das tradicionais. Nas edições mais modernas de música ficta possuem acidentes sugeridos para o executante, como mostrado na imagem abaixo, com a música "Victimae paschali laudes," Ex. #35, de Johannes Brunet.


Fontes:
GROUT, Donald J. História da Música Ocidental. Lisboa: Editora Gradiva, 2007
MICHELS, Ulrich. Atlas de Música Vol. 1. Lisboa: Editora Gradiva, 2003
LEICHTENTRITT, Hugo. Musica, Historia e Ideias: Read Books, 2007
MACHAUT, Guillaume. Biografia. Disponível em: <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/354543/Guillaume-de-Machaut >. Acesso em: 10 dez. 2011
MACHAUT, Guillaueme. Biografia. Disponível em: <http://www.classical.net/music/comp.lst/machaut.php >

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